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  • Foto do escritorFundação Cultural Exército Brasileiro

SENTINELAS INVISÍVEIS

Atualizado: 11 de set. de 2023

Dois postos de observação (1 e 2 na figura abaixo), construídos no Século XVIII, se escondem sob as árvores frondosas da Mata Atlântica, no Morro dos Limões, Guarujá, SP, na margem esquerda da embocadura do estuário que abriga o maior porto da América do Sul. São “invisíveis” para quem olha para eles a partir de qualquer das praias da Baía de Santos, mas deles é possível vigiar o mar e a orla marítima; o acesso ao porto, os edifícios e os morros próximos; as escarpas da Serra do Mar e o infinito céu azul em dias ensolarados.Eles eram utilizados para vigiar e emitir alertas sobre a presença de naus suspeitas de piratas e corsários. Tinham outras funções, descritas neste texto, dentre elas a de servirem como bases de retraimento, caso a Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande e/ou o Fortim do Góes fossem tomados de assalto.

A observação visual e os alertas antecipados permitem, até hoje, que um sistema defensivo se aproxime de um bom “plano de saúde”, que pagamos e rezamos para não utilizar.

Figura ilustrativa: Victor Hugo Mori, fotomontagens panorâmicas e Ivan Di Ferraz, fotos pontuais

1 - Reduto e paiol de munição, 2 - Reduto e fonte de água doce

Detalhes: 3 e 4 - reduto e do paiol de munição, 5 e 6 – reduto e fonte de água doce


Para justificara construção de Postos de Observação (PO, sigla militar)em locais “camuflados”, precisamos conduzir a nossa abordagem para a visão estratégica dos portugueses – admirável e impressionante – sobre a ocupação das áreas geográficas escolhidas para os primeiros passos na colonização oficial do Brasil. Era preciso, dentre outros fatores relevantes, ter água doce nas proximidades e proteção contra o troar dos canhões dos piratas e dos corsários. A Baía de São Vicente conta com uma bica d’água pereneno sopé do Morro dos Barbosas e enormedificuldade de acesso paraas naus com quilhas enormes, pela pouca profundidade da “Garganta do Diabo”, entre a Ilha Porchat e a área continental.

As naus oceânicaslançavam âncoras na embocadura do estuário de Santos, aproveitando a proteção natural do Morro dos Limões, alémda existência de uma fonte de água doce e de uma plantação de limões,importante para o combate ao escorbuto: “as pessoas seguiam a pé pelas praias, rumo ao povoado de São Vicente”, conforme relato da saudosa Profa. Dra. Clotilde Paul (1931 – 2015).

Avançando um pouco mais nesta dupla abordagem – água doce e proteção contra possíveis ataques de piratas ou de corsários – a “nova povoação”, unindo porto e cidade, surgiunas proximidades da fonte de água do“Itororó”, na parte inferior da encosta do Monte Serrat, voltada para o Lagamar de Enguaguassu. O lagamarera ideal para a manobra dos navios à vela, sem o uso de rebocadores, como ocorre hoje em dia. Mas, era preciso ter a segurança garantida, pois a defesa terrestre era uma das atribuições dos donatários: “casa de pedras e torres”, para a defesa e igrejas para a evangelização. Assim, surgiu o Forte de Nossa Senhora do Monte Serrat, antes mesmo da data oficial de inauguração da “nova povoação”. Infelizmente, daquela fortificação colonial, só nos resta a triste memória do seu desmonte, assim descrito pelo arquiteto Victor Hugo Mori, do IPHAN/SP: “o pequeno reduto voltado para o Porto de Santos foi demolido em 1876, para dar lugar ao prédio da Alfândega”. Consta ainda que as pedras da sua murada foram utilizadas para a construção dos primeiros metros do cais do porto que veio a se transformar no maior da América do Sul. Oseu desmonte marca oinício do chamado “Porto Organizado”, com sufixo de qualidade parajustificar a existência de uma memória anterior,eternizada nas obras de Benedicto Calixto (1853-1927), exibindo trapiches antes do cais de pedras. O nome santo da extinta fortificação tornou-se perene como padroeira da cidade de Santos. Depois desta breve digressão histórica, voltamos a analisar a importância do suprimento de água doce e da proteção militar edificada, por meio de um acontecimento histórico, ocorrido nos idos de 1615. Visconde de Taunay, em Na Era das Bandeiras, 1921, no capítulo “Um Assalto a Santos”, ressalta que o corsárioholandês, Joris van Spilbergen, obteve autorização para abastecer a sua esquadra com água na fonte do Morro dos Limões e colher limões sendo pouco contestado, por questões humanitárias. Negada, porém, a autorização para aquisição de víveres a fim de prosseguir para o Sul e alcançar o Oceano Pacífico, Spilbergen ordenou ataques às vilas e engenhos da região.

Agora sim, creio que podemos analisar melhor a existência das duas “sentinelas invisíveis”, construídas no Século XVIII, para observar sem serem observadas.Os dois redutosforam construídos com pedras talhadas, assentadas em plataformas escavadas na rocha bruta, e protegidos por pequenas muralhas rústicas para a manobra de canhões e uso de outras armas de defesa aproximada.

Um deles (número 2 na figura acima) se encontra em ruínas na crista militar do Morro dos Limões, entre as duas fortificações (Góes e Barra Grande) e serviam também para proteger a fonte de água doce e a produção de limões, talvez existentes nas áreas descampadas (fotomontagem acima). O outro (número 1 na figura acima), situado no topo do esporão rochoso que abriga a Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande, tinha na suacontra encosta, outra escavação para servir como paiol de munição de artilharia. O paiol era uma construção singular, comparedes duplas para circular o ar e manter a pólvora em temperatura ambiente. A parede interna possuía pequenas aberturas para ventilação, esculpidas no formato de cunha (<), para que os ratos não pudessem alcançar e comer a pólvora.

Produzimos um pequeno vídeo pela Unisantos, com autoria do Prof. Marcos Peres, mostrando o caminho de acesso e a situação do PO1 e do paiol de munição de artilharia. Está disponível do Youtube:https://www.youtube.com/watch?v=gC-s4Wr3sas

Outro vídeo experimental destacando a indicação da Fortaleza de Santo Amaro para o Patrimônio Cultural da Humanidade / UNESCO, foi selecionado por um júri oficial da Pátria Filmes para exibição no Festival Militum –2023, no Rio de Janeiro. Encontra-se disponível na plataforma mundial “academia.edu”, que tem por missão “acelerar a pesquisa no mundo”: https://www.academia.edu/video/XlD8Ql

... Por fim, compreende-se a situação de obsoletismo do antigo sistema defensivo do Porto de Santos, mas não o desprezo pela nossa História Colonial.As ruínas dos dois redutos “invisíveis”, são hoje apenas “testemunhas de pedras”. Resta-nos, portanto, apenas incentivar a visita virtualao que sobrou.O incentivo para uma mudança de postura nos é dado pelo historiador do IPHAN, Adler Homero Fonseca de Castro: “São rústicas muralhas de pedras, outrora guarnecidas com canhões coloniais, manobrados por homens construtores da nossa História” (paráfrase).


Elcio Rogerio Secomandi, Cel Art Veterano, membro do Conselho Técnico-Consultivo da FUNCEB

Av. Presidente Wilson, 2219/apto 151, José Menino, CEP 11065-201 Idt 0231422908 MD

(13) 997042410, ersecomandi@gmail.com

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